A separação de fato é suficiente para cessar a causa impeditiva da fluência do prazo necessário ao reconhecimento da usucapião entre cônjuges. Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de uma mulher que ajuizou, em 2014, ação de usucapião do imóvel no qual residia com o marido até 2009, quando ele deixou o lar.
Os dois se casaram em 1986 e já coabitavam na propriedade adquirida por ele desde o ano anterior. Na ação, a autora pedia o reconhecimento da usucapião familiar ou, subsidiariamente, da usucapião especial urbana. O pleito encontra base no artigo 1.240 e subsequentes do Código Civil – CC (Lei 10.406/2002).
Para o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG), a usucapião familiar não seria possível, já que não havia copropriedade do casal sobre o imóvel. A usucapião especial urbana também foi descartada, pois o prazo de cinco anos exigido pelo Código Civil não poderia ser contato a partir da separação de fato, mas apenas da separação judicial ou do divórcio, como previsto expressamente na lei.
Espécies de prescrição
No recurso especial, a autora questionou exclusivamente a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG) sobre a usucapião especial urbana. Relatora do recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a ministra Nancy Andrighi explicou que o Código Civil prevê duas espécies distintas de prescrição: a extintiva, relacionada ao prazo para pedir em juízo a reparação de um direito violado (artigos 189 a 206); e a aquisitiva, relacionada à forma de aquisição da propriedade pela usucapião.
A ministra ressaltou que o impedimento ao cômputo da prescrição entre cônjuges – previsto no artigo 197, inciso I, do Código Civil –, embora situado no capítulo das prescrições extintivas, também se aplica à prescrição aquisitiva, ou seja, à usucapião.
Segundo Andrighi, o impedimento da “constância da sociedade conjugal” cessa pela separação judicial ou pelo divórcio, como estabelecido nos incisos III e IV do artigo 1.571 do Código Civil. No entanto, a relatora ressaltou que, recentemente, a Terceira Turma reconheceu a possibilidade de se admitir a fluência da prescrição entre cônjuges a partir da separação de fato.
Tratamento diferenciado a situações vinculadas
A ministra destacou que a regra do artigo 197, I, do Código Civil está assentada em razões de ordem moral, que buscam a preservação da confiança, do afeto, da harmonia e da estabilidade do vínculo conjugal. A separação de fato por longo período, por outro lado, produz exatamente o mesmo efeito das formas previstas no Código Civil para o término da sociedade conjugal. Não se pode impor tratamento diferenciado a situações vinculadas, como ela destacou.
Da separação de fato, ocorrida em 2009, à ação de usucapião ajuizada pela mulher, em 2014, cumpriu-se o requisito do prazo de cinco anos para a usucapião especial urbana. Para a ministra, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG) se limitou ao fundamento de que não teria decorrido o prazo mínimo necessário, deixando de examinar a presença dos demais pressupostos legais previstos no artigo 1.240 do Código Civil.
Usucapião no Direito de Família
Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), o advogado e professor José Fernando Simão explicou a usucapião familiar em entrevista recente. Segundo o especialista, trata-se de uma modalidade de grande importância, geralmente utilizada por mulheres quando o ex-marido ou ex-companheiro deixa o lar, desaparecendo da vida familiar e onerando-a nas searas afetiva, financeira e de cuidado.
“A usucapião familiar é justa pois garante à mulher que fica no imóvel a tranquilidade de ter onde morar sem a necessidade de pagar aluguel ao ex-marido ou ex-companheiro e sem risco de se propor uma ação de extinção de condomínio para venda do imóvel comum, hipótese em que a família poderia ficar sem ter onde residir”, destacou Simão.
Decisão: 10/08/2020