Uma ação de reconhecimento de união estável post mortem foi homologada em menos de duas semanas após o protocolo da ação na 4ª Vara de Família do Fórum Regional de Madureira do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ. No caso em questão, a companheira supérstite ajuizou o processo em face do filho – único herdeiro –, que concordou com o pedido, garantindo seu reconhecimento jurídico.
O pedido de reconhecimento foi distribuído, de forma consensual entre as partes, em 22 de março. Em 3 de abril, a ação foi homologada.
O advogado Euclides de Oliveira, conselheiro da seção São Paulo do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM-SP, avalia que a decisão em questão é “justa pelo seu conteúdo e pela rapidez”.
“Típica fundamentação clara, precisa e concisa. O juiz resolveu a questão sem delongas diante da prova da convivência familiar entre a autora e o falecido companheiro. Evidência maior foi a existência de um filho dessa união, que veio ao processo e manifestou concordância com o pedido”, aponta.
Evidências probatórias
De acordo com os autos, foram reunidos documentos que comprovam a união, tais como declaração de qualificação do falecido; certidão de óbito, na qual consta apenas o filho como herdeiro; comprovantes de residência do endereço comum do casal; prova testemunhal anômala que reconhece os ex-conviventes como tendo uma convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituir família; e declaração do herdeiro.
Além disso, a petição foi realizada requerendo a citação do único herdeiro, o qual detém a legitimidade passiva da ação. Com objetivo de garantir a celeridade processual, foi realizado o reconhecimento jurídico do pedido, deixando claros os interesses confluentes entre as partes, demonstrando a ausência de interesses antagônicos.
“Era caso, mesmo, de julgamento antecipado da lide, diante da convergência de vontades entre as partes e o material probatório consistente em documentos”, comenta Euclides de Oliveira. “Dispensável, portanto, a dilação probatória para ouvir testemunhas, até porque foram também juntadas declarações de pessoas que atestaram a existência da proclamada família constituída à sombra do art. 226 da Constituição Federal – CF e do art. 1.723 do Código Civil – CC, ainda que sem a formalidade do papel passado.”
“Sentença como essa, proferida em curtíssimo prazo, representa uma verdadeira aplicação da Justiça pronta e eficaz, como se deseja, para que se atribua a cada um o seu direito. “A Justiça tarda pode falhar, sim, porque nem sempre alcança o seu propósito satisfatório”, defende o advogado.
Para ele, trata-se de um procedimento judicial esperado diante das evidências do caso. Euclides acrescenta que, se aberto um processo de inventário, a união estável poderia ser reconhecida nele, sem necessidade de ação própria.
“Aplicação do artigo 1.612 do CC, que consagra o princípio da universalidade do juízo do inventário. O reconhecimento dos direitos decorrentes da união estável pode ser obtido diretamente no processo de inventário, mediante habilitação do companheiro sobrevivente, desde que haja suficiente prova documental. Dispensável, nesse caso, a remessa às vias ordinárias, que somente caberia em caso de impugnação e na exigência de instrução probatória”, acrescenta.
Segurança jurídica versus celeridade processual
Advogado do caso, Cassio Novaes dos Santos considera que a decisão demonstra “respeito à celeridade processual, prestigia a boa-fé e observa a instrumentalidade que se espera do processo”.
“O processo não é um fim em si mesmo e, no atual espectro de consensualidade (vide o art. 191 e outros, do Código de Processo Civil – CPC/2015), não há mais espaços para a burocratização exacerbada, que o legislador do século passado se baseou em diversos diplomas, a fim de garantir a segurança jurídica das relações. Ora, a segurança jurídica pode ser observada sem que, para tanto, se engesse o progresso da dinâmica social.
Aliás, em que pese a celeridade, a cognição no feito foi exauriente, tanto no plano vertical (análise com profundidade das provas carreadas) quanto no plano horizontal (com a juntada de provas documentais do filho, do falecido, da autora, testemunhas e etc.)”, pontua.
Para ele, trata-se de uma decisão à frente de seu tempo e na vanguarda da instrumentalidade do processo, seguindo preceitos que estão previstos no Código de Processo Civil – CPC/2015. Anteriormente, com o Código de Processo Civil de 1973, percebia-se uma tentativa predominante de garantir a segurança jurídica, o que anteriormente, era visto como o contrário de celeridade processual.
“Ainda no século passado, o legislador passou a ter a preocupação com celeridade, efetividade e instrumentalidade processuais. Essa ‘nova’ visão, consolidada no CPC/15, está revolucionando a mentalidade jurisdicional em nosso país, trazendo contornos mais agradáveis aos jurisdicionados, e assim o é em todas as áreas do Direito, do processo de reconhecimento de união estável ao processo de inventário, por exemplo”, explica.
O advogado entende que a decisão em questão pode servir de norte a muitos operadores do Direito, inclusive magistrados.
“Já há um movimento bastante forte neste sentido na atividade jurisdicional, mas às vezes o que falta é a coragem de um lobo para que a matilha prossiga na mesma direção. Esperamos que os demais Magistrados tenham o mesmo mindset jurídico e os advogados a mesma criatividade jurídica, pois, sob a ótica do Direito (e em uma alusão à recente Páscoa), somos (nós, advogado) marceneiros jurídicos e podemos construir o que for possível desde que em respeito à lei, à função social e à boa-fé objetiva”, conclui.
O número do processo não é divulgado em razão de correr em segredo de justiça.
Data da decisão: 13/04/2023
Fonte: https://ibdfam.org.br/noticias/10684/TJRJ+reconhece+uni%C3%A3o+est%C3%A1vel+post+mortem+em+menos+de+duas+semanas+ap%C3%B3s+o+protocolo+da+a%C3%A7%C3%A3o