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Modificação do regime de bens não exige “justificativas ou provas exageradas”, decide STJ

A apresentação da relação pormenorizada do acervo patrimonial do casal não é requisito essencial para deferimento do pedido de alteração do regime de bens. Esse foi o entendimento apresentado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ em decisão unânime que afastou a necessidade de apresentação da relação discriminada do patrimônio dos cônjuges.

O caso, com relatoria da ministra Nancy Andrighi, tratava da possibilidade de modificação do regime de bens escolhido pelo casal, já autorizada pelo artigo 1.639, § 2º, do Código Civil de 2002. Segundo a jurisprudência da Corte, o pedido pode ser atendido ainda que o casamento tenha sido celebrado na vigência do Código Civil anterior.

Para tanto, a norma estabelece que os cônjuges devem formular pedido motivado, cujas razões devem ter sua procedência apurada em juízo, resguardados os direitos de terceiros. Por outro lado, segundo os ministros, não é preciso exigir “justificativas ou provas exageradas”, sobretudo porque a decisão que concede a modificação do regime de bens opera efeitos ex nunc.

“Na sociedade conjugal contemporânea, estruturada de acordo com os ditames assentados na Constituição de 1988, devem ser observados – seja por particulares, seja pela coletividade, seja pelo Estado – os limites impostos para garantia da dignidade da pessoa humana, dos quais decorrem a proteção da vida privada e da intimidade”, destaca o acórdão.

A preocupação consiste em não tolher a liberdade dos cônjuges na escolha da melhor forma de condução da vida em comum. Em seu voto, Andrighi também considerou a presunção de boa-fé e a proteção dos direitos de terceiros conferida pelo dispositivo legal em questão.

Com a justificativa plausível para a pretensão de mudança de regime de bens, a apresentação de documentos necessários, a ausência de verificação de indícios de prejuízos aos consortes ou a terceiros e a necessidade de reservação da intimidade e da vida privada, “revela-se despicienda a juntada da relação pormenorizada de seus bens”, nos termos do acórdão.

Possibilidade de extrajudicialização

Para o juiz Rafael Calmon, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a decisão do STJ segue o que diz a lei e a percepção majoritária da Corte. Contudo, ele opina que tais entendimentos dos tribunais deveriam ser alterados, aliados a uma alteração legislativa para uma atualização do ordenamento jurídico sobre a temática.

“O STJ tem proferido decisões paradigmáticas que dialogam com o Direito das Famílias contemporâneo. Nesse caso, o entendimento dialoga com a lei. A lei não comunica bem com o Direito das Famílias contemporâneo porque exige a judicialização de uma questão que, na minha opinião e na de muitos, deveria ser extrajudicializada.”

O magistrado defende que as circunstâncias que levam um casal a decidir pela alteração do regime de bens no curso do casamento competem à privacidade. “Tanto é assim que eles não precisam declinar nenhum motivo ou se valer de circunstâncias para escolher o regime no momento em que estão formando a união, seja pelo casamento ou por qualquer outra entidade.”

“A rigor, no momento de se alterar, também não se deveria exigir motivo nenhum, pois isso compete à intimidade do casal. Penso que a alteração deveria ser feita em cartório, já que a escolha do regime de bens não depende de algo judicializado. No silêncio das partes, subsiste o regime da comunhão parcial de bens, que é o regime supletivo no Brasil”, acrescenta.

Efeitos práticos e jurídicos

O especialista fala dos efeitos práticos e jurídicos da alteração dos regimes de bens. “A partir da sentença do juiz e com o trânsito em julgado, vai valer o que eles escolherem – como sair de um regime de comunhão parcial para um de separação, por exemplo. Esse é o efeito prático na vida deles, como se tivessem casado e escolhido o regime a partir daquele momento.”

Os efeitos jurídicos são idênticos, diz Rafael Calmon. “De forma majoritária, mas com respeitáveis entendimentos em sentido contrário, entende-se que os efeitos da alteração de regime são sempre projetados para o futuro e nunca para o passado. Ou seja, são ex nunc e não ex tunc; são efeitos para frente, não retroativos.”

Motivações e circunstâncias

Segundo o magistrado, são diversas as circunstâncias que podem levar um casal a optar pela alteração do regime de bens. “A vida é muito rica para ser compartimentada em caixinhas. É comum que o casal se case sobre uma circunstância e sobre uma mentalidade econômica financeira, que, com o passar do tempo, passam por alterações.”

Ele cita situações em que um dos cônjuges começa, por exemplo, a operar na bolsa de valores, a empreender ou quando pretende constituir uma personalidade jurídica se valendo de capital de risco. “Todos esses casos podem levar a uma certa ameaça ao patrimônio comum do casal”, explica Rafael Calmon.

“Nesses casos, as partes costumam rever o seu regime de bens saindo de um regime de índole comunitária, ou seja, aquele que comunicam-se os bens, para de índole separatista. Logo, em um eventual fracasso da empreendida, da sociedade empresária ou da operação na bolsa, o patrimônio do outro ficaria garantido, de certa forma”, conclui.

Fonte: IBDFAM https://ibdfam.org.br/noticias/8503/Modifica%C3%A7%C3%A3o+do+regime+de+bens+n%C3%A3o+exige+%22justificativas+ou+provas+exageradas%22%2C+decide+STJ

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1.904.498/SP

Decisão: 20/05/2021

Sobre o autor

Camila Guerra

Camila Guerra

Advogada inscrita na Subseção de Santa Catarina da Ordem dos Advogados do Brasil sob o n. 40.377. Advogada sócia-proprietária do Escritório Guerra Advocacia, inscrito na OAB/SC sob o n. 5.571. Graduação em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduação em Administração Empresarial na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Participação em Programa de Cooperação Internacional na Business School, Amiens (Ecole Supérieure de Commerce Amiens, Picardie, France). Pós Graduação em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera - Rede LFG. Especialização em Direito de Família e Sucessões pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM. Mentoria Avançada em Planejamento Sucessório e Prática da Constituição de Holding Patrimonial - Direito em Prática.  Associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM.

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