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Paternidade é reconhecida no STJ após 17 anos; “Justiça que tarda, falha sim”, diz jurista

Após 17 anos de tramitação do processo, uma decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a paternidade e garantiu alimentos a uma mulher de 32 anos que tentava encontrar o pai desde os 15 anos. O genitor, que é promotor aposentado, negou-se a fazer o exame de paternidade e buscou métodos para anular e atrasar o reconhecimento.

Conforme consta nos autos, ao longo dos anos, o pai não era encontrado para citação ou para receber a intimação do exame de paternidade. Houve, ainda, a suspensão do processo em razão do registro de suposto “outro pai”. Na época, o processo foi suspenso até o fim da ação anulatória do registro civil.

Em outro momento, os autos da ação investigatória de paternidade e da anulatória de registro civil, que tramitavam em conjunto, foram extraviados. Em diversas ocasiões, nos anos seguintes, o apontado pai não compareceu para realizar o exame de DNA.

A sentença que reconheceu a paternidade, com determinação para alteração do registro civil e fixação de alimentos em 15% dos rendimentos brutos do homem, foi proferida por uma juíza de Taguatinga, no Distrito Federal, após quase duas décadas de tramitação do processo.

Ao analisar o caso, a magistrada considerou a postura insólita e anticooperativa do homem. Aplicou a Súmula 301 do STJ, conforme a qual, em ação de investigação de paternidade, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.

A apelação interposta pelo pai não foi provida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). Dois embargos de declaração foram rejeitados. Inconformado com a decisão, o pai interpôs recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) com 16 alegações para o provimento do recurso.

“História de intriga, fuxico, drama que renderia viva audiência”, avalia ministro

Ao negar provimento ao recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o ministro Moura Ribeiro destacou: “Com todo o respeito, estivesse viva a famosa noveleira Janete Clair e tivesse ela tido contato com a extraordinária sucessão dos fatos, certamente dele teríamos tido uma bela história de intriga, fuxico, drama que renderia viva audiência”.

Segundo o ministro, não seria justo ou razoável atribuir à filha a responsabilidade por “evidente falsidade ocorrida no seu registro de nascimento, a partir de declarações realizadas por uma pessoa que se apresentou como seu pai, e que ela nunca viu, ninguém sabe quem é e nunca foi localizada”.

“No caso presente, como é fácil de ver, as circunstâncias evidenciam que não há mais nenhuma justificativa plausível capaz de determinar a continuidade da suspensão pretendida, pois, pelas idas e vindas, o presente feito já demorou mais do que a paciência humana pode suportar, extrapolando em muito a regra constitucional que manda a observância de prazo razoável para a conclusão dos processos”, anotou o magistrado.

Quanto à alegação de que os alimentos pedidos na ação investigatória de paternidade estão prescritos, Moura Ribeiro citou entendimento das instâncias ordinárias de que o homem teria se utilizado de inúmeros expedientes protelatórios para atrasar o curso do feito. Ressaltou, ainda, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) “não tolera a prática de condutas abusivas e maliciosas, seja nas relações familiares ou contratuais, nas quais a parte busca se beneficiar com a própria torpeza”.

“Efetivamente, conclusão em sentido contrário beneficiaria o próprio devedor de alimentos que, diante da leitura das mais de 2 mil e 500 páginas do feito, criou enormes óbices para que o processo de reconhecimento da paternidade tramitasse regularmente. É de pasmar o mais santo dos homens: [o pai] chegou inclusive a esgotar todos os meios processuais possíveis e imagináveis para impedir o trânsito em julgado da ação de restauração dos autos que foram estranhamente extraviados”, apontou o ministro.

Conforme a decisão unânime, foi mantida a multa aplicada ao pai por litigância de má-fé. “Se o comportamento de manejar nove recursos, todos sem êxito, visando impedir o trânsito em julgado de uma sentença que homologou a restauração dos autos extraviados, processo de simples procedimento, não configurar hipótese de abuso do direito de recorrer e também de tentativa indisfarçada de protelar o curso do processo, seria o quê?”, questionou Moura Ribeiro.

Reconhecimento da ancestralidade

Para o jurista Rolf Madaleno, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), é inconcebível que um processo de investigação de paternidade tenha demorado quase duas décadas para chegar ao seu final. “É inaceitável que alguém sofra durante 17 anos buscando o reconhecimento de sua ancestralidade.”

Na avaliação do jurista, o caso merecia ainda condenação por danos morais, pois é preciso condenar os abusos que são realizados em relação aos direitos dos outros. “Esta impunidade e violência que se pratica, valendo-se de expedientes escusos para postergar durante anos os direitos que a filha teria em relação aos efeitos provenientes da paternidade que ela investigou durante tanto tempo.”

“No dia que começarmos a punir esses abusos, inclusive contra mulheres e crianças em ações de investigação de paternidade, ou mulheres que eram crianças ou adolescentes quando começaram suas ações, aí, sim, teremos uma Justiça melhor e mais efetiva, e não mais tão desacreditada pela falta de punição”, avalia Rolf.

De acordo com o especialista, a ação deveria ter sido julgada em um curto espaço de tempo. “Durante esses 17 anos, tudo o que de ruim e pior poderia ter acontecido na vida dessa investigante pode ser imaginado. Na época em que ela mais precisava de um reconhecimento paterno e da vinculação de um pai na sua vida, este pai lhe fez falta.”

“Este pai é que deveria se sentir honrado de ter uma filha que demonstrou a pertinácia, persistência e força de vontade de buscar um direito que era seu. O pai é que não é digno dela. Ela é digna dessa ancestralidade que agora foi reconhecida”, ressalta.

“Justiça que tarda, falha sim”, diz jurista

O diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) entende que a decisão deve servir como exemplo para que o processo seja reformulado o quanto antes. “Para que as pessoas não passem tanto tempo atrás de seus direitos, e que então se dê um procedimento muito mais célere, digno e respeitoso.”

“Justiça que tarda, falha sim. Não importa que a decisão tenha resgatado o direito depois de 17 anos. O que importa é que a Justiça, ao falhar e não ser célere, fez com que essa pessoa sofresse durante 17 anos, e dinheiro nenhum do mundo vai trazer de volta esse sofrimento”, comenta o especialista.

Rolf Madaleno conclui que o entendimento exemplifica a falta de celeridade e distribuição efetiva de Justiça. “Estamos ‘pendurando’ a dignidade das pessoas, para que, em algum momento, elas venham resgatar essa dignidade –  se é que não se foram antes da decisão judicial.”

Fonte: https://ibdfam.org.br/noticias/9814/Paternidade+%C3%A9+reconhecida+no+STJ+ap%C3%B3s+17+anos%3B+%E2%80%9CJusti%C3%A7a+que+tarda%2C+falha+sim%E2%80%9D%2C+diz+jurista

REsp 1.817.729

Decisão: 30/06/2022

Sobre o autor

Camila Guerra

Camila Guerra

Advogada inscrita na Subseção de Santa Catarina da Ordem dos Advogados do Brasil sob o n. 40.377. Advogada sócia-proprietária do Escritório Guerra Advocacia, inscrito na OAB/SC sob o n. 5.571. Graduação em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduação em Administração Empresarial na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Participação em Programa de Cooperação Internacional na Business School, Amiens (Ecole Supérieure de Commerce Amiens, Picardie, France). Pós Graduação em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera - Rede LFG. Especialização em Direito de Família e Sucessões pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM. Mentoria Avançada em Planejamento Sucessório e Prática da Constituição de Holding Patrimonial - Direito em Prática.  Associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM.

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