Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é dever do provedor de aplicação de internet proceder à retirada de conteúdo que viola direitos de crianças e adolescentes assim que for comunicado do caráter ofensivo da publicação, independentemente de ordem judicial, para atender ao princípio da proteção integral. É com base neste entendimento que a Corte negou provimento ao recurso especial em que o Facebook questionava sua condenação por ter se recusado a excluir mensagem que trazia a foto de um menor de idade com seu pai e acusava este último de envolvimento com pedofilia e estupro.
O recurso da rede social teve como base o artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), segundo o qual o provedor só poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se deixar de cumprir ordem judicial específica para torná-lo indisponível.
No caso dos autos, pai e filho ajuizaram ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais contra o Facebook, em razão da publicação da mensagem ofensiva, em setembro de 2014. O pai alegou que, após a denúncia, a empresa se recusou a excluir a publicação, sob o argumento de ter analisado a foto e não haver encontrado nela nada que violasse os “padrões de comunidade”.
Em primeira instância, o Facebook foi condenado a pagar R$ 30 mil para cada uma das vítimas, a título de danos morais. A sentença foi confirmada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG).
O ministro Antonio Carlos Ferreira, relator do caso no Superior Tribunal de Justiça (STJ), destacou que a divulgação da foto do menor de idade sem autorização de seus representantes legais, vinculada a conteúdo impróprio, em total desacordo com a proteção conferida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), representou “grave violação” do direito à preservação da imagem e da identidade.
Para o ministro, o provedor de aplicação que se nega a excluir publicação ofensiva a pessoa menor de idade, mesmo depois de notificado – e ainda que sem ordem judicial –, deve ser condenado a indenizar os danos causados à vítima. Ele lembrou que o artigo 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil impõem, como dever de toda a sociedade, zelar pela dignidade da criança e do adolescente, evitando qualquer tipo de tratamento vexatório ou constrangedor.
Segundo o relator, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) possui caráter “especialíssimo” e prevalece como sistema protetivo, em detrimento da lei que rege o serviço de informação prestado pelo provedor de internet. Deste modo, no caso julgado, não pode haver aplicação isolada do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que condiciona a responsabilização civil do provedor ao prévio descumprimento de ordem judicial.
“Há uma imposição legal, com eficácia erga omnes, determinando não apenas que se respeite a integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, mas prevendo uma obrigação de agir, direcionada a todos da sociedade, que passam a ser agentes de proteção dos direitos do menor, na medida do razoável e do possível”, explicou Antonio Carlos Ferreira.
De acordo com o ministro por força do princípio da proteção integral e sob a ótica da vulnerabilidade social de crianças e adolescentes, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que a veiculação da imagem de menor de idade pelos meios de comunicação, sem autorização do responsável, caracteriza ato ilícito por abuso do direito de informar, o que gera dano moral presumido (in re ipsa) e a consequente obrigação de indenizar.
A conclusão do relator é de que a responsabilidade civil do Facebook, “deve ser analisada sob o enfoque da relevante omissão de sua conduta, pois deixou de adotar providências que, indubitavelmente sob seu alcance, minimizariam os efeitos do ato danoso praticado por terceiro, o que era seu dever“.
Processo: STJ, REsp 1.783.269
Decisão: 16/12/2021