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Abandono afetivo: jurisprudência sobre indenização tem evoluído, apesar da “cultura da não convivência”

O abandono afetivo é um tema que ainda desafia a doutrina e a jurisprudência em Direito de Família e eleva uma discussão sobre responsabilidade civil na área. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o jurista Rolf Madaleno expõe uma “cultura da não convivência” no Brasil, mas aponta que há uma evolução nos entendimentos dos tribunais brasileiros sobre o tema.

“Ao longo de muitos anos, a jurisprudência de todos os tribunais do país negava o direito à indenização por abandono afetivo com o argumento de que ‘ninguém é obrigado a amar’”, recorda Rolf Madaleno. Ele lembra, contudo, de duas exceções que romperam com essa ideia em segunda instância e foram pioneiras na discussão.

A primeira, um processo que transcorreu na Justiça de Minas Gerais, teve a atuação do advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do IBDFAM. Outro caso foi julgado pela Justiça do Rio Grande do Sul, mas, assim como a primeira ação citada, teve a decisão favorável revertida quando chegou ao Superior Tribunal Justiça – STJ.

Dever de cuidar e conviver

“Até que, em uma decisão inédita, a ministra Nancy Andrighi, do STJ, deu uma interpretação diferenciada: a discussão não era exatamente sobre a falta do amor, mas sobre o dever de cuidado”, lembra Rolf. Ele se refere ao Recurso Especial – REsp 1.159.242/SP, que redirecionou a discussão com o julgamento de 2012.

“Naquela ocasião, o STJ reconheceu a possibilidade de se indenizar um filho quando a obrigação de cuidado for negligenciada pelos pais. A decisão rompeu um paradigma ao afirmar que o dever jurídico de cuidar, quando não cumprido, pode gerar uma responsabilização civil. Mesmo assim, muitos tribunais continuaram negando pedidos desse tipo, abrindo-se uma cisão na Justiça brasileira.”

Mais recentemente, novamente sob relatoria da ministra Nancy Andrighi, o STJ avançou na temática com o REsp 1.887.697/RJ, julgado no ano passado. “A Corte já deixou de fazer referência a um dever de cuidado e expressamente entendeu que é possível responsabilizar financeiramente um genitor que se omite da convivência”, comenta Rolf.

“Com essa decisão mais recente, o STJ ingressou na ideia de que existe uma obrigação de convivência. O genitor que a negligencia está faltando com uma obrigação e pode, sim, ser responsabilizado pelo abandono afetivo do filho. É um julgado paradigmático, o início da efetiva responsabilidade financeira daquele que se omite da vida de um filho.”

Cultura da não convivência

A ameaça de uma responsabilização civil pode dissuadir pais e mães ausentes de praticarem esse abandono, garante Rolf Madaleno. “Vivemos a cultura da não convivência, um ato gravíssimo em relação ao direito de os filhos terem a participação dos pais em suas vidas. Essa negligência não existiria se o abandono afetivo fosse punido financeiramente.”

“Existe uma cultura, já de muito tempo, que, após a separação, os pais podiam ‘visitar’ os filhos. Não havia o entendimento de que esse é um direito, mas sim uma faculdade, a que os genitores poderiam aderir ou não. Não havia uma obrigação de convivência, mas uma faculdade de visitação.”

O especialista reforça: “Ambos, pai e mãe, têm obrigação de conviver com os filhos para uma hígida formação moral e psíquica. O poder familiar traz como função a educação e a formação dos filhos. Nesse sentido, a legislação está cheia de artigos que ordenam essa obrigação dos pais”.

Legislação assegura cuidado a crianças e adolescentes

A busca pelo melhor interesse e a proteção integral de crianças e adolescentes, bem como o direito à convivência familiar, são princípios e garantias presentes na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (8.069/1990). O Código Civil e a Lei da Alienação Parental (12.318/2010) também fazem referência à obrigação do cuidado físico e mental.

Segundo Rolf, tornou-se mais comum o estabelecimento de uma multa para aquele genitor que não convivesse com seu filho. “Antes, podia-se fazer ações em que se executava essa obrigação de convivência. Só que essa multa guarda conexão com a indenização, porque também traz a ideia de que se pode aplicar, nesses casos, uma pena pecuniária.”

Algo semelhante está expressamente previsto na Lei da Alienação Parental, que reserva o direito à reparação civil ao genitor impedido pelo outro a conviver com os filhos comuns. “É uma via de duas mãos. Se um impede e o outro se nega, por que não pode ser aplicada a indenização ao segundo caso?”, indaga.

Não se pode obrigar ninguém a amar?

O especialista se diz contrário à ideia de que “não se pode obrigar ninguém a amar”. “O pior é o Judiciário aderir a essa máxima e ser o primeiro a se omitir na tentativa de estimular a convivência. Isso deve ser imposto, tanto que já são aplicadas multas ao genitor que faz alienação parental, impedindo o convívio familiar.”

“O Poder Judiciário tem a obrigação de fazer de tudo para que essa convivência se dê. Geralmente, um genitor não convive com o filho justamente em função de ressentimentos, desavenças na relação entre os adultos, o fazem para atingir o ex-companheiro. Os filhos costumam não ter nada a ver com os motivos que fazem os pais se omitirem.”

Rolf conclui: “A questão financeira está imbricada a essas relações de não convivência, tanto de impedimento de convivência quanto de recusa à convivência. O pagamento serve aqui como motivação para se cumprir uma obrigação, preservando os interesses do filho”.

Sobre o autor

Camila Guerra

Camila Guerra

Advogada inscrita na Subseção de Santa Catarina da Ordem dos Advogados do Brasil sob o n. 40.377. Advogada sócia-proprietária do Escritório Guerra Advocacia, inscrito na OAB/SC sob o n. 5.571. Graduação em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduação em Administração Empresarial na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Participação em Programa de Cooperação Internacional na Business School, Amiens (Ecole Supérieure de Commerce Amiens, Picardie, France). Pós Graduação em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera - Rede LFG. Especialização em Direito de Família e Sucessões pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM. Mentoria Avançada em Planejamento Sucessório e Prática da Constituição de Holding Patrimonial - Direito em Prática.  Associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM.

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