Na Justiça de Santa Catarina, uma servidora pública obteve o direito de realizar cirurgia de adequação sexual custeada pelo plano de saúde. O pedido havia sido negado no âmbito administrativo, sob o argumento de que o procedimento era de natureza estética, ou seja, uma “cirurgia plástica”. A decisão é da 2ª Vara da Fazenda Pública de Florianópolis.
Um documento firmado por médico psiquiatra, na condição de perito judicial, concluiu que a autora da ação tem identidade sexual bem definida, mas dissonante de sua morfologia corpórea. Ela ainda teve um diagnóstico de transtorno misto ansioso e depressivo, quadro que indica necessidade de operação de transgenitalização e procedimentos afins.
O juiz Jefferson Zanini, responsável pelo caso, ressaltou ser cristalino que a cirurgia não tem natureza estética. Ao contrário, mostra-se necessária por seu caráter terapêutico e não estético, circunstância que afasta a alegação de impossibilidade de cobertura apontada pelo plano de saúde.
A servidora, que já tem registro civil adequado à sua identidade sexual, realizará cinco procedimentos cirúrgicos para promover sua transgenitalização, reconstrução de mama com prótese ou expansor e traqueoplastia. O valor estimado é de R$ 5 mil, custeado pelo plano com sua coparticipação prevista contratualmente.
O resultado poderá, segundo os especialistas, pôr fim ou reduzir manifestações de ansiedade e depressão que acompanham a servidora. Atualmente, ela faz tratamento psiquiátrico mensalmente, utiliza medicamentos psicoativos prescritos, separou-se recentemente do companheiro, reside com os pais e está temporariamente afastada do trabalho.
O processo tramita em segredo de Justiça. Ainda há possibilidade de recurso ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC.
Decisão gera consequências jurídicas à vida como ela é
Vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a advogada Maria Berenice Dias elogia a decisão. “Mais uma vez, a Justiça acaba por reconhecer e emprestar consequências jurídicas à vida como ela é. Esse, aliás, sempre foi um dos grandes dogmas do IBDFAM”, comenta.
“A cirurgia, que até prefiro chamar de ‘adequação’, nada mais faz do que assegurar a uma pessoa o direito à própria identidade de gênero. A transexualidade não é uma doença, não é um crime, não é pecado, e está amparada em um punhado de direitos constitucionais, como à identidade, respeito à dignidade da pessoa humana”, acrescenta a especialista.
Segundo Maria Berenice, quando a não adequação das características morfológicas de alguém não correspondem à sua identidade de gênero, há consequências de toda ordem, principalmente psicológica e social. “Ainda há uma rejeição de todo o segmento LGBTQIA+, mas de forma muito especial, a população trans sofre na nossa sociedade, parece que cada vez mais conservadora e de um moralismo caótico.”
Especialista sugere repercussão geral sobre o tema
Para a advogada, não resta dúvida de que os planos de saúde a que as pessoas trans aderem devem garantir a elas bem-estar físico, social e psíquico. “Essas cirurgias, em nenhum momento, têm um caráter estético, para eventualmente melhorar a autoestima em relação a algum detalhe do corpo que deixe a pessoa desconfortável. Outra coisa é o direito à própria identidade. São coisas que não se podem confundir.”
Ela pontua que a decisão pode ser levada às instâncias superiores. “Diante de todos esses avanços, cada vez mais assegurados à população LGBTQIA+, e de modo muito assertivo à população trans, não tenho dúvida de que essa decisão será confirmada, senão pelo TJSC, com certeza será pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ e pelo Supremo Tribunal Federal – STF.”
Uma regulação do tema pelos tribunais superiores, segundo Maria Berenice, seria bem-vinda. “Essa é uma demanda que merece ser levada e reconhecida em repercussão geral, porque atende ao interesse de muitas pessoas, que pagam seus planos de saúde para ter o direito à saúde assegurado. Essa busca de adequação é a busca de sua saúde.”
Fonte: IBDFAM https://ibdfam.org.br/noticias/9565/Cirurgia+de+adequa%C3%A7%C3%A3o+sexual+para+mulher+trans+deve+ser+custeada+por+plano+de+sa%C3%BAde%2C+decide+Justi%C3%A7a+de+SC
Decisão: 14/04/2022