Em Santa Catarina, um homem foi condenado pelo crime de violação sexual mediante fraude após se passar pelo amigo para manter relações sexuais com uma mulher. A sentença da 1ª Vara Criminal da Comarca de Criciúma considerou que o homem se aproveitou do fato de a vítima estar embriagada e sonolenta.
O crime ocorreu em 2019. Conforme a denúncia, a vítima e uma colega teriam ido até a residência do acusado, que também estava com um amigo. No local, ela se relacionou com o outro homem de forma consentida.
Em outro momento, o dono da casa se aproveitou do fato de a moça estar embriagada e sonolenta para se passar pelo amigo e ter relações sexuais. A vítima consentiu por pensar se tratar de seu parceiro anterior. Somente mais tarde percebeu que havia sido ludibriada.
O homem foi condenado à pena de dois anos de reclusão, em regime inicial aberto. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes na prestação pecuniária de um salário mínimo, e na prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, à razão de uma hora de serviço por dia de condenação.
O número do processo não é divulgado em razão do segredo de justiça. Cabe recurso.
Estupro de vulnerável
A advogada Adélia Pessoa, presidente da Comissão Nacional de Gênero e Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, entende que o caso em questão se trata de estupro de vulnerável, e não de violação sexual mediante fraude. “Percebe-se que se tratava a vítima de uma pessoa em situação de vulnerabilidade e, assim sendo, o crime será aquele previsto no Código Penal artigo 217-A.”
Ela explica que o estupro de vulnerável, na forma estabelecida pela Lei, é descrito como “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos, com pena de reclusão, de oito a 15 anos”. “Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.”
“E não a violação sexual mediante fraude, conforme previsto no artigo 215 do Código Penal, na redação dada pela Lei 12.015/2009, que tem a seguinte dicção: ‘ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima. Pena – reclusão, de dois a seis anos’”, destaca a advogada.
Adélia lembra que o crime de violação sexual mediante fraude resultou, na reforma ocorrida em 2009, da fusão, com adaptações, de dois tipos penais distintos do CP: “posse sexual mediante fraude – que consistia na conjunção carnal, no qual se tinha o sujeito ativo um homem e o sujeito passivo, uma mulher –; e atentado ao pudor mediante fraude, que consistia na prática de atos libidinosos, sendo crime comum no qual os sujeitos ativo e passivo podiam ser tanto homem quanto mulher”.
“Observe-se que o estupro, na forma do artigo 213 do CP, como atualmente previsto, tem como vítima não mais necessariamente uma mulher, abrangendo, além da conjunção carnal, a prática não consentida de quaisquer atos libidinosos, mediante violência ou grave ameaça contra qualquer pessoa, sem distinção de gênero. Verifique-se, entretanto, no artigo 217-A e seu parágrafo – estupro contra vulnerável – que não se exige violência física ou grave ameaça, por cuidar-se de vítima vulnerável, incapaz de consentimento válido, menor de 14 anos, ou alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, que é o caso de embriaguez ou qualquer motivo que retire a capacidade de resistir aos atos sexuais ou manifestar consentimento válido juridicamente”, aponta a especialista.
Consentimento válido das partes
Adélia percebe, no caso presente, a configuração do crime de estupro de vulnerável, “pois a vítima se encontrava em estado de embriaguez. Pondera, no entanto, que “isso deve ser provado nos autos do processo criminal”.
“Pela notícia, há indícios suficientes de o autor ter-se aproveitado da vulnerabilidade da vítima, por essa causa. Pelo teor da notícia, pareceu-nos que o autor agiu com dolo, pois tinha plena ciência de que a mulher estava embriagada, não podendo ele escusar-se pelo erro de tipo, admitido no Direito Penal se ele não soubesse que ela estava alcoolizada, pois o erro de tipo, justificável, excluiria o dolo do agente e, assim, descaracterizaria este crime”, observa Adélia.
Ela acrescenta: “Mas mantendo relação sexual ou qualquer ato libidinoso com pessoa incapaz de oferecer resistência, haverá estupro de vulnerável. Não estamos mais regidos pelas antigas normas bíblicas em que a vítima teria que gritar, resistir com todas as forças, para não ser considerada culpada pelo próprio estupro. Qualquer relação sexual precisa ter o consentimento válido das partes”.
A advogada também ressalta que, se a pessoa ingere bebidas alcoólicas, por conta própria, sem qualquer participação do acusado, “isso não desconstitui sua vulnerabilidade para efeitos penais, persistindo o crime de estupro de vulnerável”. “Entendo que, em casos tais, não se pode considerar a conduta como enquadrada no artigo 215 do CP, violação sexual mediante fraude, denominado por alguns como estelionato sexual.”
“Nesse artigo 215, o autor usa de meios fraudulentos capazes de levar a vítima a erro ou mantê-la em erro (quanto à pessoa ou quanto ao fato: quanto à pessoa – exemplo dos gêmeos idênticos; quanto à natureza do ato – mulher que vai ao ginecologista e ele a faz crer que aquele é o procedimento clínico; quanto à motivação do agente – um líder religioso que utiliza a conjunção carnal ou ato libidinoso para “garantir algo” à vítima devota e a faz crer que sem a prática do ato, não teria cura). Vê-se que o ato pressupõe o erro da vítima”, explica a especialista.
Adélia frisa, entretanto, que se a vítima estiver sob efeito de remédios, álcool ou drogas, configura-se o crime de estupro de vulnerável e não de violação sexual mediante fraude. “Por fim, registre-se que, após a reforma de 2009 do CP, estes dois tipos penais – tanto estupro de vulnerável quanto violação sexual mediante fraude configuram crimes contra a dignidade sexual, no capítulo dos crimes contra a liberdade sexual e não mais crimes contra os costumes, como constava anteriormente no Código Penal.”
Fonte: https://ibdfam.org.br/noticias/9608/TJSC+condena+homem+que+se+passou+por+outro+pelo+crime+de+viola%C3%A7%C3%A3o+sexual+mediante+fraude