Avó e neta conseguiram na Justiça de Minas Gerais o reconhecimento do vínculo de avosidade socioafetiva. A mulher é casada com o avô materno da menina de 6 anos e, desde o nascimento desta, desempenha a função de avó da criança. A decisão favorável é da 1ª Vara de Família da Comarca de Juiz de Fora.
Os pais da criança, os avós paternos e o avô materno da neta anuíram o pedido. A avó materna biológica morreu em 1997, muito antes do nascimento da neta, em 2015. O avô materno se casou novamente em 2006. Desde o nascimento da criança, a mulher é reconhecida socialmente como avó.
Assinado pelo promotor de Justiça Marcelo Augusto Rodrigues Mendes, o parecer do Ministério Público de Minas Gerais (MP/MG) identificou que a atual esposa do avô materno de fato acolheu a menina como neta, exercendo a avosidade de forma estável e responsável. Surgiu, então, um forte vínculo afetivo e de afinidade entre elas.
Valor jurídico do afeto
O parecer do Ministério Público de Minas Gerais (MP/MG) ressalta o valor jurídico adquirido pelo afeto, valorado como princípio norteador do Direito de Família, bem como a admissão da socioafetividade desde o advento da Constituição Federal, com valores ratificados pelo Código Civil de 2002. O texto também traz artigos e notícias publicados no portal do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM (veja abaixo), relacionadas à extensão da socioafetividade à relação avoenga.
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Sem exclusão da avó biológica
O juiz auxiliar João Batista Lopes observou que não há oposição ao pedido e foram satisfeitas as exigências legais para o seu deferimento. Assim, determinou a inclusão do nome da avó socioafetiva nos registros da criança, sem exclusão da avó biológica.
“A documentação anexada à petição inicial, somada ao que consta no relatório de estudo psicossocial, comprovou, satisfatoriamente, o alegado vínculo de avosidade socioafetiva existente entre as requerentes”, decidiu o magistrado.
Em linha com o STF
O advogado e procurador do Estado de Minas Gerais Fernando Salzer e Silva, membro do IBDFAM, atuou no caso. Ele diz que a decisão está em linha com o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), com a tese firmada em 2016, em sede de repercussão geral no bojo do Tema 622, leading case do Recurso Extraordinário 898.060.
Efeitos práticos
“Em relação aos efeitos práticos, o vínculo afetivo existente entre elas, que já era público e notório, apenas foi oficializado. Agora, em relação às prerrogativas legais decorrentes da formalização de tal vínculo, a decisão judicial ‘desburocratiza’ várias questões”, explica Fernando Salzer.
Como exemplo, o advogado afirma que, agora, avó e neta podem viajar sem necessidade de autorização judicial (artigo 83, §º, b, 1, do Estatuto da Criança e do Adolescente). Além disso, no futuro, caso necessário, ambas terão lugar preferencial para cuidar uma da outra (artigos 1.731, I, e 1.775, §1º, ambos do Código Civil).
“O interessante desta decisão é que, por meio da declaração da socioafetividade avoenga, foi criado um vínculo de parentesco de primeiro grau entre avó e neta”, destaca Fernando.
Exigências legais
Para a conquista desse direito pela família, o advogado afirma que foi necessária “a comprovação da convivência saudável, estável e pública entre avó e neta, os vínculos de afeto e cuidado existente entre elas, deixou caracterizado o parentesco civil de origem socioafetiva (artigo 1.593 do Código Civil)”.
Também foi evidenciado que “avó e neta formam uma entidade familiar merecedora de proteção especial do Estado (artigo 226 da Constituição), sendo defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída por tal família (artigo 1.513 do Código Civil)”.
Princípio da afetividade
“A decisão afirma que avós e netos, cuja relação não teve como origem o parentesco natural, sanguíneo, têm os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à avosidade”, ressalta Fernando Salzer.
Para o advogado, sentenças como essa revelam “a importância concedida ao princípio da afetividade, sendo os laços de afeto e cuidado, vínculos nascidos do coração, alçados ao mesmo patamar dos laços sanguíneos, dos vínculos originários, tradicionais de parentesco”.
“Como disse Bert Hellinger, ‘vínculo (tradicional) é diferente de afeto’. Uma verdadeira relação de afeto tem o poder de gerar um sentimento de pertencimento familiar muito maior que um mero e burocrático parentesco sanguíneo.”, conclui o ibedermano.
Decisão: 27/01/2022