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Projeto determina que aposentadoria de pessoas que mudaram de gênero siga critérios do sexo biológico

Em tramitação na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 684/2022 prevê que a aposentadoria de pessoas que obtiverem mudança de gênero no registro civil siga critérios do sexo biológico de nascimento. A proposta insere a medida na Lei 8.213/1991, que trata dos planos de benefícios da Previdência Social

Na justificativa do projeto, o autor, deputado Alex Santana (Republicanos-BA), citou decisão do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Na ocasião, o Tribunal estabeleceu, para efeito de aposentadoria do servidor que tenha realizado alteração de gênero, a necessidade de se considerar o gênero que consta do “registro civil de pessoa natural (certidão de nascimento) no momento do requerimento do benefício previdenciário”.

Segundo o deputado, “homens que, na véspera de completarem 62 anos de idade, decidirem mudar de gênero, poderão usufruir desse critério favorecido de aposentadoria, criando o cenário perfeito para todo tipo de fraudes em detrimento do já deficitário sistema de previdência social”.

“A pessoa que, nascendo homem, mas passando a se identificar com o gênero feminino em outro momento da vida, segue possuindo características biológicas do sexo masculino, que é, como já foi dito, o critério orientador da diferenciação de idade entre os sexos, pela presunção da perda da capacidade laboral pelo fenômeno do envelhecimento. Dessa maneira, permitir que homens que mudam de gênero possam se aposentar com a idade biológica das mulheres seria o mesmo que adotar um critério de idade e tempo de contribuição diferenciado em relação aos outros homens, o que é vedado pela Constituição Federal”, afirmou na justificativa do Projeto de Lei.

A proposta será analisada em caráter conclusivo pelas comissões de Direitos Humanos e Minorias; de Seguridade Social e Família; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

“Argumento embasa-se, levianamente, na presunção de má-fé”, diz especialista

Presidente da Comissão de Direito Previdenciário do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o advogado Anderson De Tomasi Ribeiro diz que o argumento do projeto não pode ser acolhido. “Na justificativa do projeto, o deputado Alex Santana fundamenta na possibilidade da fraude, ou seja, coloca a má-fé como regra e não exceção.”

“Pressupôs que homens fariam alteração de gênero exclusivamente para encaminharem suas aposentadorias e usufruírem das regras das mulheres, por exemplo. Ora, tal argumento não pode ser acolhido. Não se trata de chancelar qualquer tipo de fraude, ao contrário”, aponta o advogado.

Segundo Anderson, o argumento embasa-se, levianamente, na presunção de má-fé. “Possíveis fraudes supostamente ocorridas em encaminhamentos administrativos – e aqui na justificativa do deputado não há qualquer apontamento ou estudo das fraudes – não é fundamento para restringir o direito à própria liberdade. O que deve ser incentivado é a criação de meios de combater as fraudes sem que, com isso, haja privação de direitos.”

O especialista lembra que, recentemente, a Advocacia Geral da União – AGU emitiu nota com base na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade – ADI 4275/DF, bem como no RE 670.422/RS (de idêntica orientação), julgado sob a sistemática da repercussão geral, no sentido que “a norma previdenciária legal ou constitucional só enxerga a divisão binária biológica entre homens e mulheres; cabe a aplicação do princípio da legalidade estrita, (…) tal interpretação não se mostra possível conceder benefícios previdenciários distintos ao previsto para o sexo morfológico de um(a) requerente, entendimento que deva ser seguido pelo INSS”.

“Ora, restringir suas características identitárias seria equivalente a restringir a própria liberdade e negar a si dignidade, nas palavras de Heloísa Helena Pancotti (Previdência Social e Transgêneros, Juruá, 2019). Desta forma, há necessidade de ampliação do debate, pois, em breve, situações como essas, com viés previdenciário, baterão à porta do Judiciário e, quando isso ocorrer, precisaremos defender que o exercício da identidade é a expressão da liberdade”, conclui Anderson De Tomasi.

Fonte: https://ibdfam.org.br/noticias/9585/Projeto+determina+que+aposentadoria+de+pessoas+que+mudaram+de+g%C3%AAnero+siga+crit%C3%A9rios+do+sexo+biol%C3%B3gico

Sobre o autor

Camila Guerra

Camila Guerra

Advogada inscrita na Subseção de Santa Catarina da Ordem dos Advogados do Brasil sob o n. 40.377. Advogada sócia-proprietária do Escritório Guerra Advocacia, inscrito na OAB/SC sob o n. 5.571. Graduação em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduação em Administração Empresarial na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Participação em Programa de Cooperação Internacional na Business School, Amiens (Ecole Supérieure de Commerce Amiens, Picardie, France). Pós Graduação em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera - Rede LFG. Especialização em Direito de Família e Sucessões pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM. Mentoria Avançada em Planejamento Sucessório e Prática da Constituição de Holding Patrimonial - Direito em Prática.  Associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM.

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