Em sentença recente, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ afastou a necessidade de sobrepartilha na discussão sobre imóvel doado aos netos com cláusula de usufruto vitalício em favor dos pais, que se divorciaram. Para os ministros, a sobrepartilha não é cabível pois se trata de propriedade dos filhos.
O recurso especial foi interposto pela ex-esposa, filha dos doadores do imóvel, contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP. O relator no STJ, ministro Villas Bôas Cueva, lembrou que a sobrepartilha ocorre quando a divisão dos bens no divórcio já foi concluída, “porém uma das partes descobre que a outra possuía bens que não foram partilhados” – o que não era o caso dos autos.
Na ação, o ex-marido pleiteou metade da quantia recebida pela ex-esposa com o aluguel de parte do imóvel, com base no direito de usufruto. O pedido foi ajuizado 21 anos após a separação de fato do casal, em 1994.
O divórcio foi homologado em 2002. Na ocasião, não foram fixados alimentos e o ex-marido, que havia saído de casa na separação, não manifestou pretensão em relação ao direito de usufruto do imóvel.
O pedido foi negado em primeira instância sob o entendimento de que a não fruição do bem pelo ex-marido causou a extinção do usufruto, ainda que este fosse vitalício – sentença que foi mantida pelo TJSP. Para o tribunal paulista, porém, deveria ser feita a sobrepartilha do imóvel, tendo em vista se tratar de patrimônio comum não partilhado na ocasião do divórcio – aplicando-se, por analogia, o artigo 1.040 do Código de Processo Civil de 1973.
Villas Bôas Cueva destacou que a inércia do ex-marido em exercer o direito alegado por tanto tempo, sem buscar participar do gerenciamento do imóvel, levou à decadência do seu direito de usufruto. Pontuou ainda que o homem não contribuiu, após o divórcio, com o pagamento dos impostos e das despesas de conservação do imóvel (artigo 1.403 do Código Civil), o que configura a situação de abandono prevista no artigo 1.410, inciso VII, do CC – uma das causas de extinção do usufruto.
Segundo o magistrado, “a vitaliciedade não significa que o usufruto seja eternizado, pois, segundo o artigo 1.410, inciso VIII, do CC, o não uso ou fruição do bem é causa de extinção do usufruto”. Para o ministro, o TJSP adotou interpretação equivocada ao determiná-la por aplicação analógica do artigo 1.040 do CPC/1973, porque a existência do imóvel era conhecida do ex-marido, “que o abandonou por vontade própria, ou seja, não houve desconhecimento ou ocultação do bem”.
Ele acrescentou que seria impossível que o ex-cônjuge abrisse mão de parte do bem no momento da separação judicial, convencionando a sua partilha com a ex-esposa, pois ele não é proprietário do imóvel. Sobre esse ponto, o ministro ainda ressaltou que, conforme o artigo 1.668, inciso I, do CC, os bens doados são excluídos da comunhão.
Ao restabelecer integralmente a sentença de primeiro grau, o relator concluiu que “o usufruto vitalício e sucessivo estipulado pelos doadores do imóvel foi respeitado pela recorrente e pelos donatários, porém abandonado pelo recorrido até sua extinção, nos termos da legislação vigente”.
REsp 1.651.270
Decisão: 04/03/2022