A transferência de imóvel pelo devedor a filha menor de idade caracteriza fraude à execução, independente de haver execução pendente ou penhora averbada na matrícula imobiliária, e até mesmo prova de má-fé. Assim entendeu a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, ao dar provimento ao recurso especial de uma empresa que cobrava pelos serviços prestados.
A fim de garantir a execução, o juízo determinou a penhora de um imóvel registrado no nome do devedor. Contra essa decisão, a filha menor de idade do executado opôs embargos de terceiro, sob a alegação de que ela recebeu o imóvel como pagamento de pensão alimentícia a partir de um acordo homologado judicialmente.
Em primeiro grau, os embargos foram rejeitados, sob o entendimento de que a transferência do imóvel pelo devedor à filha caracteriza fraude à execução. O Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP reformou a sentença por considerar que não teria havido fraude nem má-fé do embargante.
No entendimento da ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, a inscrição da penhora no registro do bem não constitui elemento integrativo do ato, mas requisito de eficácia perante terceiros. Por conta disso, o prévio registro da penhora gera presunção absoluta de conhecimento para terceiros e, portanto, de fraude à execução caso o bem seja alienado ou onerado após a averbação.
“Não há importância em indagar se o descendente conhecia ou não a penhora sobre o imóvel ou se estava ou não de má-fé. Isso porque o destaque é a má-fé do devedor que procura blindar seu patrimônio dentro da própria família mediante a transferência de seus bens para seu descendente, com objetivo de fraudar a execução”, declarou a ministra.
Segundo ela, não reconhecer que a execução foi fraudada porque não houve registro de penhora ou da pendência de ação de execução, já que não se cogitou má-fé da filha, “oportunizaria transferências a filhos menores, reduzindo o devedor à insolvência e impossibilitando a satisfação do crédito do exequente, que também age de boa-fé”, concluiu a relatora.
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Para a tabeliã Priscila Agapito, diretora nacional do IBDFAM, a decisão esboça como serão os contornos do Princípio da Concentração dos atos na matrícula a partir das alterações da Lei 14.382/2022. “Isto porque a literalidade da legislação de regência (Lei 13.097/2015) não diferencia a necessidade de publicidade para prática de atos gratuitos, onerosos ou de acordo com o parentesco.” Ela responde em parceria com a tabeliã Bruna Melo, membro do IBDFAM.
A especialista avalia que a jurisprudência caminha para a adoção do entendimento do Direito espanhol (artigo 34 da Lei Hipotecária) sobre o Princípio da Concentração e efeitos do registro imobiliário (Fé pública registral), em que somente é necessária a publicidade prévia de ônus ou gravames para prática de atos onerosos, no que tange aos atos gratuitos, independe da publicidade para perseguir o imóvel, aplicando o mesmo entendimento no caso de transação entre parentes.
Segundo a tabeliã, o STJ prestigiou a proteção aos credores e puniu severamente a má-fé do devedor. “A partir desta decisão será necessário um olhar de cautela nas ações de família, em especial nas de divórcio e dissolução de união estável. Isto porque é muito comum acordos prévios para viabilizar a partilha consensual, como a doação ou promessa de doação com reserva de usufruto para os filhos comuns.”
“Caso venha a ser firmado este entendimento, será necessário continuar analisando as certidões de feitos ajuizados das partes para que não prejudique acordos prévios firmados, independente de existir má-fé ou não. O importante é sempre consultar seu tabelião de notas que é profissional de Direito apto a analisar a documentação imobiliária e contratual, conjugado com Direito de Família e Sucessões”, conclui.
Fonte: https://ibdfam.org.br/noticias/10154/STJ%3A+devedor+que+transfere+im%C3%B3vel+para+descendente%2C+mesmo+sem+averba%C3%A7%C3%A3o+da+penhora%2C+comete+fraude
Decisão: 20/10/2022