Presente o dolo específico de satisfazer a lascívia, própria ou de terceiro, a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos configura o crime de estupro de vulnerável (artigo 217-A do Código Penal – CP), independentemente da ligeireza ou da superficialidade da conduta, não sendo possível a sua desclassificação para o delito de importunação sexual (artigo 215-A do CP). É o que determina a tese fixada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça – STJ, sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.121).
Na ocasião, foram julgados quatro recursos especiais representativos da controvérsia. Discutiu-se a proporcionalidade na aplicação do artigo 217-A do CP e o eventual sopesamento na punição das condutas libidinosas menos invasivas, após a entrada em vigor da Lei 13.718/2018 – que incluiu no código o crime de importunação.
Segundo o relator, ministro Ribeiro Dantas, grande parte dos abusos sexuais contra crianças e adolescentes ocorre no interior dos lares, o que dificulta a identificação. O ministro destacou que o reconhecimento da violência intrafamiliar pelo Estado e a proteção aos menores são fenômenos históricos recentes.
“O fato de a violência dentro dos lares ser reconhecida pelo Estado não significou a criação dessa violência. Em verdade, ela sempre existiu, mas permanecia no silêncio entre os familiares e na indiferença institucional. O que era para servir de apoio violentava ou ignorava”, apontou o relator.
Ribeiro Dantas salientou que o STJ tem adotado a posição firme de que qualquer tentativa de satisfação da lascívia com menor de 14 anos configura estupro de vulnerável, entendendo, em alguns casos, que o delito prescinde de contato físico entre vítima e agressor. “A pretensão de se desclassificar a conduta de violar a dignidade sexual de pessoa menor de 14 anos para uma contravenção penal (punida, no máximo, com pena de prisão simples) já foi reiteradamente rechaçada pela jurisprudência desta corte”.
Conflito de normas
De acordo com o relator, o aparente conflito de normas é resolvido pelo princípio da especialidade do artigo 217-A, que possui o elemento especializante “menor de 14 anos”, e pelo princípio da subsidiariedade expressa do 215-A. Ele ponderou que a aplicação do artigo 217-A não pode ser afastada sem a observância do princípio da reserva de plenário pelos tribunais, conforme o artigo 97 da Constituição Federal.
“Desclassificar a prática de ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos para o delito do artigo 215-A do CP, crime de médio potencial ofensivo que admite a suspensão condicional do processo, desrespeitaria o mandamento constitucional de criminalização do artigo 227, parágrafo 4º, da Constituição Federal, que determina a punição severa do abuso ou da exploração sexual de crianças e adolescentes. Haveria também o descumprimento de tratados internacionais”, anotou o ministro.
Ribeiro Dantas concluiu que o legislador optou por não estabelecer nenhuma gradação entre as espécies de condutas sexuais praticadas contra pessoas vulneráveis. Para ele, a gradação permitiria “penalizar mais ou menos gravosamente a conduta, conforme a intensidade de contato e os danos (físicos ou psicológicos) provocados”.
O magistrado frisou que a opção legislativa foi “pela absoluta intolerância com atos de conotação sexual com pessoas menores de 14 anos, ainda que superficiais e não invasivos”. Os números dos processos não são divulgados em razão de segredo judicial.
Fonte: https://ibdfam.org.br/noticias/9882/Tese+do+STJ+impossibilita+desclassifica%C3%A7%C3%A3o+de+estupro+de+vulner%C3%A1vel+para+delito+de+importuna%C3%A7%C3%A3o+sexual
Decisão: 210/07/2022