Uma criança que vivia sob guarda legal da avó servidora tem direito à pensão temporária por morte, uma vez que era sua dependente econômica. O Distrito Federal e o Instituto de Previdência dos Servidores do Distrito Federal – IPREV terão que cumprir a determinação judicial antes mesmo da decisão final do processo. A decisão unânime é da 6ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT.
O pedido para concessão do benefício foi feito pela mãe das meninas, mas foi negado na via administrativa à primeira neta, que já seria maior de idade. O argumento para negativa à outra neta, com idade inferior a 18 anos, foi o de que a Lei Distrital 840/2011 prevê o benefício somente ao menor sob tutela e não àquele sob guarda.
Ao recorrer da decisão de primeiro grau que concedeu a pensão, o Distrito Federal usou a mesma justificativa. Defende que o rol taxativo dos beneficiários das Leis Distritais 769/2008 e 840/2011 não inclui a situação dos autos. Esclarece não ser mais aplicável a Lei 8.112/1990 aos servidores distritais, diante da existência de legislação própria. Sustenta ainda que a referida decisão cria despesa sem fonte de custeio, o que é vedado.
Além disso, ressalta que seria incabível o pagamento imediato dos valores antes do trânsito em julgado da decisão, pois a autora é hipossuficiente e não terá condições de ressarcir os cofres públicos, caso a sentença seja desfavorável ao seu pedido. Diante disso, solicitou a suspensão dos efeitos da liminar até o julgamento final do recurso e, no mérito, a improcedência dos pedidos.
STJ diz que menor sob guarda tem direito à concessão do benefício por morte
Ao analisar o caso, a desembargadora relatora no TJDFT destacou que o termo definitivo de compromisso de guarda e responsabilidade das menores foi expedido em favor da avó materna, a qual se obrigou a prestar assistência material, moral e educacional a elas, diante das peculiaridades do caso concreto.
Ela lembrou que o Superior Tribunal de Justiça – STJ fixou tese na qual considera que o menor sob guarda tem direito à concessão do benefício por morte, por força de comando previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990) e diretrizes protetivas da Constituição Federal de 1988.
O colegiado concluiu que a liminar deferida no juízo de origem, que deferiu a pensão mensal, deve ser mantida, à vista da probabilidade do direito invocado, não podendo ser adiado, dado o caráter alimentar do benefício previdenciário, sendo evidente o perigo de dano grave. Diante disso, o recurso do Distrito Federal foi negado por unanimidade.
Decisão foi acertada, diz especialista
Presidente da Comissão de Direito Previdenciário do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o advogado Anderson De Tomasi Ribeiro diz que é acertada a decisão ao reconhecer o direito da criança e adolescente sob guarda ao recebimento da pensão por morte. “Reparo este que deve ser feito, uma vez que, até 1997, no Regime Geral de Previdência Social – RGPS, e 2015, no Regime Próprio de Previdência Social – RPPS, os textos permitiam o recebimento. Após, o direito foi retirado.”
A jurisprudência brasileira já caminha no mesmo sentido em casos como esse, segundo o especialista. “O STJ havia consolidado entendimento favorável ao julgar o Tema 732, de relatoria do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que ao menos no RGPS vinha se consolidando. Entretanto, alguns entes públicos, bem como o INSS, seguem negando administrativamente os benefícios.”
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal – STF também julgou o tema na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 4.878. No processo, Anderson De Tomasi representou o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP como amicus curiae. “Na ocasião, trouxemos justamente o princípio do melhor interesse da criança e adolescente como base da fundamentação. Além disso, calcamos a manifestação na Convenção sobre os Direitos da Criança (art. 26, I) e na Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 25), ambos acolhidos e trazidos nos votos dos ministros Edson Fachin e Rosa Weber.”
“Ainda temos um grande desafio que se refere aos óbitos que ocorreram após 13 de novembro de 2019, data de início de vigência da Emenda Constitucional – EC 13/2019 (Reforma da Previdência), uma vez que o § 6º do artigo 23 dispõe que ‘equiparam-se a filho, para fins de recebimento da pensão por morte, exclusivamente o enteado e o menor tutelado’. Deixa novamente as crianças e adolescentes sob guarda desamparados. Portanto, precisaremos trabalhar para que seja decretada a inconstitucionalidade desta regra”, conclui o advogado.
Decisão: 10/03/2022