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STJ aplica instituto da surrectio e mantém curatelado no plano de saúde da irmã

Em decisão recente, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve um idoso no plano de saúde de sua curadora e irmã, após a operadora tentar excluí-lo por considerar que ele não preenchia os requisitos para ser dependente. O entendimento foi amparado pelo instituto jurídico da surrectio – o direito pelo exercício reiterado.

No caso dos autos, o idoso sofre de enfermidade mental e está desde 2007 sob a curatela da irmã, que o inseriu em 2011 como dependente em um plano de saúde de autogestão. Em 2018, porém, a operadora comunicou que o curatelado seria excluído, pois o regulamento não admitia irmão incapaz do titular como dependente.

Por entender que a exclusão era lícita, o juízo de primeiro grau e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) negaram o pedido para mantê-lo no plano. Ao avaliar o caso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu que não se pode dar interpretação ampliativa ao contrato de plano de autogestão para incluir uma pessoa não prevista nas hipóteses de dependente.

O colegiado concluiu, porém, que o fato de a operadora haver permitido por mais de sete anos que o irmão figurasse nessa condição gerou a aquisição do direito. Para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o decurso do tempo fez surgir a expectativa legítima de que a situação seria mantida.

Interpretação ampliativa

O relator, ministro Marco Buzzi, ressaltou que o plano de saúde de autogestão, gerido por associação sem fins lucrativos, é custeado pelos próprios beneficiários e pela empresa patrocinadora, com a finalidade de prestação de serviços médicos a grupo fechado. Deste modo, a inclusão de pessoas que não foram consideradas quando do planejamento da cobertura e do cálculo da forma de custeio poderia gerar desequilíbrio atuarial, o que traria prejuízo ao próprio grupo, seja sob a forma de declínio na qualidade do serviço, seja em razão da necessidade de reajuste das mensalidades.

Para Buzzi, não é adequada a proposta de interpretação ampliativa da previsão contratual sobre quem pode ser dependente, como pretendiam os autores da ação com o argumento de que seria aplicável, por extensão, a norma do regulamento do plano que autoriza a inclusão de maiores incapazes que sejam filhos ou enteados do titular.

O relator lembrou que o Código Civil definiu a eticidade como um de seus princípios fundantes, e estabeleceu a necessidade de observância de um comportamento de probidade, lisura e respeito às legítimas expectativas entre as partes negociantes em todos os momentos da relação obrigacional, sob pena, inclusive, de caracterização de abuso de direito. Frisou ainda que eventual violação à boa-fé objetiva e ao princípio da confiança é capaz de criar, modificar ou até mesmo extinguir obrigações, tendo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitido a aplicação dos institutos da supressio e da surrectio nesses casos.

Segundo o ministro, houve entre as partes uma efetiva contratação na qual, mediante pagamento, foi admitida a participação do irmão da titular no plano. Para ele, trata-se de situação já consolidada pelo tempo, que criou a legítima expectativa de que o irmão fazia jus à cobertura.

“Com amparo no instituto da surrectio, na necessidade de tutela da boa-fé objetiva dos contratantes, da proteção das legítimas expectativas, bem como da vedação à adoção de comportamentos contraditórios, entende-se que, dadas as particularidades do caso, o comportamento omisso da operadora de saúde durante significativo lapso temporal, excepcionalmente, implicou a assunção da obrigação de prestação do serviço de assistência à saúde ao curatelado, na qualidade de dependente de sua irmã e curadora”, concluiu Marco Buzzi.

Boa-fé objetiva

Em entrevista recente,  o advogado Marcos Ehrhardt, vice-presidente da Comissão Nacional de Família e Tecnologia do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, explicou que os institutos da surrectio e da supressio são utilizados no Direito de Família, mas ainda com aplicação controvertida. Leia a entrevista na íntegra.

Fonte: IBDFAM https://ibdfam.org.br/noticias/9822/STJ+aplica+instituto+da+surrectio+e+mant%C3%A9m+curatelado+no+plano+de+sa%C3%BAde+da+irm%C3%A3

REsp: 18.99396

Decisão: 01/07/2022

Sobre o autor

Camila Guerra

Camila Guerra

Advogada inscrita na Subseção de Santa Catarina da Ordem dos Advogados do Brasil sob o n. 40.377. Advogada sócia-proprietária do Escritório Guerra Advocacia, inscrito na OAB/SC sob o n. 5.571. Graduação em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduação em Administração Empresarial na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Participação em Programa de Cooperação Internacional na Business School, Amiens (Ecole Supérieure de Commerce Amiens, Picardie, France). Pós Graduação em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera - Rede LFG. Especialização em Direito de Família e Sucessões pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM. Mentoria Avançada em Planejamento Sucessório e Prática da Constituição de Holding Patrimonial - Direito em Prática.  Associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM.

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